terça-feira, 14 de abril de 2015

Ney : A voz da alma



O Ney é um dos principais instrumentos de sopro da Turquia, e sua historia remonta a tempos ancientais e ainda hoje, tem  um papel muito importante na musica clássica turca e na musica religiosa. O nome mais antigo para o instrumento é “nâ” ou “nay” palavra suméria que foi incorporada ao persa e significa cana ou bambu;  a palavra “mizmar” usada pelos árabes para quase todos os instrumentos de sopro e significa “ instrumento voz” também foi usada para nomeá-lo. Na Turquia é tradicionalmente conhecido como Ney, e também a chamado assim em alguns países da Europa oriental. junto a palavra “zan”  do verbo persa “zadan” (tocar, tanger) temos a palavra neyzan, que se torna neyzen na pronuncia turca; e significa alguém que estuda e preserva a tradição do Ney. A palavra em árabe “Nâyî” tem o mesmo significado. Por conta do seu timbre único, o Ney sempre acabou ganhando muita importância na cultura musical dos lugares em que ocorreu. Acredita-se que a existência de tipos primitivos de Ney remontam a 5000 a.c.;  e o primeiro Ney de que se tem conhecimento remonta a cultura suméria. O exemplar mais antigo encontrado do instrumento data de 2800-3000 a.c., e hoje se encontra no museu da University of Philadelphia. Nas civilizações da Ásia central durante o sec. 9 , o Ney existia em diversos tipos e construção por Árabes e persas. E sabe-se que já era usado em cerimonias religiosas ainda naquele tempo. Alguns também acreditam que o Ney tenha sido inventado por persas. Acredita-se que o Ney usado pelos Hitay Turks, conhecidos por serem musicalmente avançados, foi tocado desde tempos ancientais na Ásia central . O Ney foi realmente incorporado a cultura turca após a sua aceitação do islã e a partir do sec. 13 se tornou um símbolo de misticismo. O grande poeta místico Mevlana Jallalludin Rumi, que viveu nesse século foi muito influenciado pela musica, e em especial pelo som do Ney. Olhando de volta ao passado e examinando as fontes e os trabalhos dos antigos mestres mevlevi, era comum encontrar o titulo “neyzen” entre os nomes deles. 




Estrutura:


O Ney e feito a partir da cana (arundo donax) que cresce em larga escala em climas quentes. Na Turquia as mais apreciadas são as que nascem nas regiões do mediterrâneo, especialmente a da região Antakia e Aegean. As que crescem na região do deserto de Hijaz, na Síria e no Líbano não são muito estimadas por uma largura menor; acredita-se que isso faz com que a cana produza um som pequeno e apagado. 
O Ney consiste em três partes:
Baspare: é a boquilha. Passou a ser usada entre os sec. 18 e 19 devido à facilidade de projeção e tocabilidade necessários para tocar a complexa musica otomana.
Parazvane: anéis de metal atados às duas extremidades da cana para evitar que o instrumento se rache.
Kamis: é o nome da cana em turco, é a madeira em si; corpo que possui 9 segmentos e 7 buracos.

Tipos de Ney:


Existem vários tipos de Ney, com diferentes tamanhos e afinações,  os “nisfiye” e os “mabeyn”. Os principais são; Bol Ahenk, Davud sah, Mansur, Kiz, Mustahsen, e Supurde. Os nisfiye são  os que estão uma oitava acima dos principais como: Bol ahenk nisfiye, Davud nisfiye, Sah nisfiye, Mansur nisfiye.
 Já os mebeyn são afinados em semitons como o Mansur Sah Mabeyn, e o Kiz Mansur Mabeyn.

Os Neys mencionados em lista: 

1 bolahenk nisfiye

2 bolahenk supurde nisfiye mebeyni

3 supurde

4 mustahsen

5 yildiz

6 kiz neyi

7 kiz Mansur mabeyni

8  mansur

9 Mansur sah mabeyni

10 sah

11 davud

12 davud-bolahenk mebeyni

1 Bol Ahenk



O Ney na cultura e literatura turca

A musica sempre esteve presente na vida religiosa da Turquia. Antes do advento do Islã, a presença da musica na vida cotidiana e em cerimonias religiosas assim como o Âyin, Cem, Zikr, Deverâan etc., tornou-se um ponto de controvérsia, e instrumentos de corda eram terminantemente proibidos em diversas ordens. Os únicos instrumentos que permaneceram foram o Ney e o Bendir, isso em quase todas as ordens. Quando se fala sobre o Ney, a primeira personalidade que vem a mente a do mestre Hz. Mevlana, e suas palavras, que a musica eram a linguagem de Deus. Acredita-se que o criador tenha se comunicado com as almas no momento em que as criou, com musica. Por essa razão, sem distinção de nacionalidade e cultura, todos podem compartilhar os mesmo sentimentos através da musica. Nenhuma arte penetra mais fundo do que a musica que é vista como um meio de real purificação, carinho e exaltação a divindade. Com essa purificação, a alma encontra a cura, removendo os tormentos da vida humana. Uma alma sem purificação, não se eleva. Ao contrario, se torna cada vez mais cega pela sujeira das paixões mundanas. A música suprime os anseios mais animais, e leva a alma a experimentar da “infinita presença” e a leva mais para perto da divindade. E para este fim, a voz mais adequada é a do Ney. 

Na literatura religiosa o Ney é muito mais do que uma cana que nasce por acaso  nos descampados banhados ao vento. O Ney, nas mãos de alguém que esta apaixonado pela divindade é como fogo, é como o próprio coração.  É um segredo de Deus. Conta-se que um dia o grande rei Davi, passando pelas canas crescendo em um charco, ouviu um som divino, e descobriu que esse som era o vento, soprando nas canas partidas. Mas que som! Davi então parou e se dirigiu até as canas “este é um som sagrado” ele deve ter pensado. Cortou um pedaço de uma das canas, levou-a aos lábios e soprou. Ele então conseguiu, através da cana, expressar seu amor e adoração a Deus.  Aquele pequeno pedaço de madeira, se transformara em amor puro em suas mãos. De acordo com outra historia, o profeta Mohammed, depois de experimentar as verdades divinas após uma longa meditação, não conseguiu conter a grande intensidade da verdade que havia ouvido, então a contou a seu protegido, Ali. Ali também não foi capaz de conter tamanha verdade, então por sua vez ele contou essa verdade para um córrego seco. Anos depois, quando o grande profeta passava pela mesma região, ouviu ao longe as palavras que havia revelado ao seu querido Ali. Seguindo o som, encontrou um grande canavial, e o som que ele ouvia era o do vento soprando nas canas, e contando tal divina verdade. Desde estes tempos, o instrumento de sopro feito de cana e conhecido como Ney vem revelando este segredo a todos os que compreendem sua linguagem, e lamenta a grande separação. Nos primeiros versos do Masnavi do grande mestre Mevlana Rumi, ele confirma o que foi dito acima, ele conta respeito do segredo que o Ney revela ao homem. Os que estudam o Masnavi concordam que o Ney, ardente em chamas de amor e separação, desde que foi cortado do charco em que crescia, representa o Insan-i Kamil (aquele que descobriu o sentido da existência, e estabeleceu contato com Deus) e que sente uma eterna saudade de sua união com Deus, assim como o Ney sente saudade de quando crescia entre as canas.

Na Mistica islâmica, o desejo de unidade com a divindade expressada pelo Ney, e uma analogia ao ser humano, forçado a cair degrau após degrau no mundo material, sentindo sempre esta nostalgia, de quando a alma e o criador eram um. Desencorajado e sem esperança, ele deve mais uma vez voltar a sua terra natal. Desde a primeira cana a ser cortada de seu leito natural, ela tomou diversas formas, passou de mão em mão, até se tornar um instrumento.









Bibliografia

Turk Musikisi Tarihi - Ak, Ahmet Sahin - Ankara
Garpli Gozuyle Turk Musikisi , Instanbul 1963
Arsli Orhan - " Neyzen Musiki Meemuasi"
Ergun, Sadeddin Nuzhet - Turk Musikisi Antolojisi , Instanbul, 1942
Erguner, Suleyman - Ney Metod , Instanbul ,2002



segunda-feira, 6 de abril de 2015

Música - Hazrat Inayat Khan

A palavra música que usamos em nossa linguagem diária, nada mais é do que o retrato do nosso bem amado. É pelo fato de a música ser o retrato de nosso bem amado que amamos a música. A questão é saber o que é, e aonde se encontra o nosso bem amado. Nosso bem amado é nosso começo e nosso fim. E o que dele vemos diante dos nossos olhos físicos é a beleza que se descortina diante de nós. E a parte de nosso bem amado que não é manifesta a nossos olhos é aquela forma interna de beleza, mediante a qual nosso bem amado nos fala. Se ao menos pudéssemos escutar a voz de toda a beleza que nos atrai de qualquer forma, verificaríamos que, em todos os seus aspectos, ela nos diz que por traz de toda manifestação esta o espirito perfeito, o espirito da sabedoria. Que coisa vemos como a principal expressão da beleza visível diante de nós? O movimento. Nas linhas, nas cores, na mudança das estações, na subida e descida das ondas, no vento, na tempestade, em tudo a beleza da natureza esta em constante movimento. É o movimento que cria os dias e as noites, bem como as mudanças das estações. E tal movimento deu-nos o entendimento daquilo que chamamos de tempo. De outra maneira, não haveria tempo, pois, na verdade só existe a eternidade. E o fato nos ensina que tudo aquilo que amamos e admiramos, observamos e compreendemos, é a vida que se oculta por trás dessas coisas, sendo a vida de nosso próprio ser

 É por força de nossas limitações que não podemos ver o ser total de Deus, No entanto, tudo o que amamos nas cores, nas linhas, nas formas ou personalidade pertence à beleza real, ao bem amado e a todos. E quando descobrimos o que é que nos atrai nessa beleza que vemos nas formas, descobrimos que é seu movimento. Em outras palavras, é a música. Todas as formas da natureza, como por exemplo as flores, têm cores e formas perfeitas. Os planetas, as estrelas a terra, tudo nos da a ideia de harmonia, de música, a própria natureza respira. Fazem-no não apenas as criaturas vivas, mas a natureza como um bloco. E é apenas a nossa tendência de comparar aquilo que parece vivo com aquilo que parece menos vivo que nos faz esquecer que todas as coisas e todos os seres estão vivendo uma vida única e perfeita. E o sinal dessa vida nos é dado pela beleza viva da música. O que é que faz a alma do poeta dançar? A música. O que é que faz com que o pintor produza belos quadros, com que o músico cante lindas canções? É a inspiração concedida pela beleza. Assim, os sufis chamam essa beleza de “saki”, a divina doadora, que da o vinho da vida a todos. Qual é o vinho dos sufis? A beleza nas formas, nas linhas, nas cores, na imaginação, nos sentimentos, nas maneiras. Em tudo ele vê essa beleza única. Todas essas diferentes formas são parte do espirito da beleza que constitui a vida por trás dela, como benção continua.  Quanto ao que, em nossa vida diária, chamamos de música, para mim arquitetura é música, jardinagem é música cuidar de fazendas é música, pintar é música, poesia é música. Em todas as atividades da vida aonde a beleza serviu de inspiração, aonde o vinho divino foi derramado há música. No entanto, dentre as diferentes artes, a arte musical foi especialmente considerada divina, porque ela é a miniatura exata da lei que trabalha através do universo inteiro. Por exemplo, se nos examinarmos, verificaremos que as pulsações a batidas do coração, a inalação e exalação do ato de respirar, são em bloco, um trabalho ritmado. A vida depende do trabalho desse ritmo no mecanismo total do corpo. A respiração manifesta-se pela forma de voz, de palavra ou de som e esse som é continuamente audível, seja ele interno ou externo a nos mesmos. 

A música inspira não apenas a alma dos grandes músicos, mas também a todos os recém-nascidos, que no momento em que chegam ao mundo, começam a mover pernas e braços ao ritmo da música. Portanto, não é exagero dizer que a música é a linguagem da beleza daquele que todos amamos. E quando conseguimos conscientizar esse fato e reconhecer a perfeição de toda a beleza de toda a beleza como deus, nosso bem amado, compreende-se por que motivo a música que experimentamos na arte e no universo inteiro tem de ser chamada de arte divina. Muitos nesse mundo fazem da música uma fonte de entretenimento, um passatempo, e para muitos, a música é uma arte e o músico um mero entretorcedor. No entanto, ninguém que tenha vivido nesse mundo, que tenha pensado e sentido, poderia jamais deixar de considerar a música como a mais sagrada de todas as artes, pois o fato é que aquilo que a arte da pintura não pode sugerir claramente, a poesia explica em palavras. Não obstante, aquilo que até mesmo um poeta acha difícil de expressar em palavras, é expresso claramente em música. Com isso, não apenas digo que a música é superior às artes, e a poesia, mas que ela assume um papel de religião, pois a música eleva a alma do homem a alturas maiores do que as formas externas das assim chamadas religiões. Não se deve entender, com estas palavras, que a música pode tomar o lugar da religião, pois nem todas as almas estão necessariamente sintonizadas naquele tom dentro do qual poderiam, realmente, beneficiar-se com a música, e nem todas as músicas são necessariamente tão elevadas a ponto de exaltar uma pessoa como a religião pode fazer. No entanto, para aqueles que trilham o caminho do culto interior, a música é essencial para seu desenvolvimento espiritual. A razão disto, é que a alma que se encontra em processo de busca esta procurando ao DEUS sem forma. A arte é, sem duvida, bastante inspiradora, mas ao mesmo tempo, ela tem forma. A poesia tem palavras, nomes e formas sugestivas. Só a música dispõe de beleza, força, charme e, ao mesmo tempo, pode elevar a alma para além da forma. Eis porque, nos tempos antigos, os maiores profetas eram grandes músicos. Por exemplo, entre os profetas hindus encontramos Narada, o profeta que também era músico e Shiva, que foi um Deus-profeta, e que foi o inventor da sagrada veena. A Krishna igualmente atribui-se o invento da flauta. Também existe uma lenda bastante conhecida e ligada à vida de Moisés, a qual afirma que Moisés ouviu uma ordem divina, no monte Sinai, vertida nas seguintes palavras ”muse-ke” ou seja, “ouve Moisés”, e a revelação lhe foi dada sobre a forma de tom e ritmo, tendo ele batizando-a de Musik. As palavras música e Musike tiveram ai sua origem. As canções e salmos de Davi tornaram-se conhecidas através das idades e sua mensagem foi transmitida em forma de música. O Orfeu, das lendas gregas, conhecedor dos mistérios do tom e do ritmo, tinha por meio desse conhecimento, o domínio sobre as forças ocultas da natureza.  A deusa hindu da beleza e do conhecimento, cujo nome é saraswati, foi sempre vista com uma veena nas mãos. O que isto sugere? Sugere que toda a harmonia tem sua essência na música. E, em paralelo com o charme natural oferecido pela música, existe também um encantamento magico que pode ser experimentado mesmo em nossos dias. Parece que a humanidade perdeu uma grande parte da ciência magica, mas, se existe alguma magia, ela repousa na música. Além de sua força, a música inebria. Quando ela inebria aqueles que ouvem, imagine o quanto ela não toca aqueles que a executam ou cantam!... E o quanto ela não deve inebriar aqueles que roçaram a perfeição na música e meditaram sobre ela durante anos a fio. Isso lhes confere uma alegria e uma exaltação semelhante a de um rei sentado no trono.

De acordo com os pensadores do oriente, existem 5 diferentes inebriamentos: o  da beleza, da juventude e da força, logo seguidos pelo da riqueza. O terceiro inebriamento é o do poder, do comando e do governo, E existe um quarto tipo que é o do aprendizado, do conhecimento. No entanto, esse quatro tipos de inebriamento empalidecem como as estrelas diante do sol representado pelo inebriamento da música. A razão disso é que ela toca a mais intimas parte do ser humano. A música tem maior alcance do que qualquer outra impressão causada pelo mundo exterior. E a beleza da música é tanto o berço da criação, como o meio de absorvê-lo. Em outras palavras, o mundo foi criado através da música e através dela será novamente integrado na fonte que o criou. Neste mundo material e cientifico podemos observar um exemplo semelhante. Antes que qualquer maquina funcione, primeiro deve-se ouvir um ruído. Primeiro esse ruído se faz audível para que depois, mostre a sua vida. Podemos observar isso num avião. Tal ideia pertence ao misticismo do som. Antes que uma criança seja capaz de admirar cores e formas, ela aprecia o som. Se existe algum tipo de arte capaz de carregar a juventude de vida, e entusiasmo, paixão e moções, essa arte é a música. Se existe algum tipo de arte através da qual uma pessoa possa manifestar integralmente seus sentimentos e moções, tal arte é a música. Ao mesmo tempo, ela é algo que da ao homem aquela força e aquele poder de agir que faz com que soldados marchem ao som dos tambores e dos clarins. As tradições do passado afirmam que no ultimo dia, haverá um som de trombetas antes do final do mundo. Isso mostra como a música acha-se ligada com o começo, a continuidade, e o fim da criação. Os místicos de todas as idades amaram muito a música. Em quase todos os círculos do culto interior, em qualquer parte do mundo, a música parece ser o centro da cerimônia do culto. E aqueles que atingiram a paz perfeita que responde pelo nome de nirvana ou samadhi na linguagem dos hindus, conseguem-no melhor através da música.


Os sufis, portanto, especialmente os da escola Chishtia dos tempos antigos, fizeram da música o centro e sua meditações. Por tal método de meditação eles extraem muitos benefícios dela, mais do que aqueles que o fazem sem a ajuda da música. O efeito que eles experimentam é o desdobramento da alma e a abertura das faculdades intuitivas. Seus corações, por assim dizer, abrem-se a todo tipo de beleza que existe do lado de dentro e do lado de fora, elevando suas almas e, ao mesmo tempo, trazendo a eles aquela perfeição pela qual todas as almas anseiam.

- Hazrat Inayat Khan



Referencias:
 Hazrat Inayat Khan - Música primeiro capitulo.